Ficha de trabalho PRO 11
Valores – análise e compreensão da experiência valorativa
“Milagre nos Andes”
“Na tarde de sexta-feira 13 de Outubro de 1972, teve início, uma das histórias de
sobrevivência mais controversas e inspiradoras, quando um avião Fairchild F-227
da Força aérea Uruguaia, que levava uma equipa júnior de rugby acompanhada de
familiares e amigos para um jogo amigável no Chile, despenhou-se nas montanhas
dos Andes. Dos 45 passageiros a bordo, 29 sobreviveram à queda e apenas 16
foram resgatados com vida naquele que ficou conhecido com um dos mais célebres
desastres aéreos da História.
Refugiados numa das partes da fuselagem do avião e presos num glaciar árido a 3650
metros de altitude, sem provisões ou meios para pedir ajuda, lutando para suportar
temperaturas gélidas (de 30º C abaixo de zero), avalanches mortíferas, tiveram, ao
oitavo dia, conhecimento via rádio que ainda funcionava precariamente, de que as
buscas tinham sido canceladas. Rapidamente a comida e a bebida esgotou-se e os
sobreviventes começaram a viver um dilema. Como poderiam sair dali com vida?
Nando Parrado (um dos sobreviventes) decide que ou voltava para casa ou morreria
a tentá-lo, mas como, se não tinham forças nem meios para sair. Foi então que surgiu
a ideia de que a única maneira de arranjarem forças e alimento para saírem dali
era através da utilização da carne dos cadáveres humanos dos outros passageiros
como alimento. Mas seriam eles capazes disso? Valeria a pena sobreviver ficando
para sempre a marca na consciência que o fizeram alimentando-se de cadáveres
humanos? Conseguiriam viver consigo mesmos? A sociedade aceitá-los-ia? Deus
Perdoá-los-ia? Os entes amigos estariam dispostos a doar o seu corpo para alimento?
A verdade é que sendo difícil a decisão, a vontade de sobreviverem e a necessidade
de se alimentarem face às constantes dificuldades diárias em que viviam e a pressão
emocional, física e afectiva que sofriam, fez com que um a um, mais tarde ou mais
cedo fizessem. Utilizaram um pedaço de vidro partido para cortarem a carne e
graças a isso conseguiram sobreviver durante 72 dias até serem resgatados por
dois helicópeteros após dois dos seus colegas (Nando e Roberto Canessa) se terem
aventurado, escalando os Andes, à procura da civilização mais próxima.
Poderá ser condenável o seu acto, mas só quem passou pela situação, os dias cruéis
que viveu e a pressão que sofreu a todos os níveis, poderá responder a isso, mas num
ponto estaremos de acordo, que eles conseguiram vencer a morte.”
Adaptado das sinopses do livro Milagre nos Andes e do filme Estamos vivos.
Ficha de trabalho
Para efectuar a análise de um texto, deve sempre usar este conjunto de questões:
a) Qual o tema ou assunto central? Os valores na colisão da natureza com a
cultura
b) Em quantas partes se pode dividir?
4:
1- Narração dos factos que geram o problema central (até: “Como poderiam
sair dali com vida?”);
2- Apresentação do problema em que o valor da natureza (sobrevivência) se
confronta com o valor cultural (respeito pelos cadáveres humanos); (até:
“doar o seu corpo para alimento?”);
3- Narração dos factos que configuram a solução para o problema (até: “à
procura da civilização mais próxima”);
4- Conclusão com o enunciado do valor preponderante na solução do
problema: o valor da vida.
c) Que outro título lhe daria?
O valor da vida humana
d) Qual é a tese ou problema central?
O imperativo da sobrevivência face à relatividade dos valores
e) Quais são as palavras-chave?
“forças
e
alimento”;
“cadáveres
humanos”; “sobreviver”; “sociedade”; “Deus”; “condenável”; “dificuldades”; “pres
são”; “vencer a morte”.
f) Que argumentos usa o autor para demonstrar a sua tese?
1- O imperativo da sobrevivência;
2- A pressão física e psicológica das circunstâncias;
3- A sujeição da vontade humana à conjugação do elemento natural (instinto
de sobrevivência) e circunstancial (a insuportável situação vivida);
4- O relativismo dos valores (“Poderá ser condenável o seu acto… mas só
quem passou pela situação poderá responder a isso.”).
5- A defesa da vida como valor supremo (“mas num ponto estaremos de
acordo, que eles conseguiram vencer a morte.”).
g) O texto levanta alguma questão, directa ou indirectamente? Se sim, qual?
Sugere a questão de, em certas situações-limite, o determinismo da natureza e
o relativismo das circunstâncias deverem ou não sobreporem-se ao imperativo
ético e cultural do respeito pelo ser humano.
Num plano mais profundo, sugere ainda a questão do fundamento existencial e
antropológico dos valores éticos.
h) O autor imagina alguma objecção ou objecções à sua tese? Se sim, como lhe
(s) responde?
Imagina a auto-censura pela consciência moral de cada um dos sobreviventes,
a condenação pela sociedade e até por Deus. Responde-lhes adoptando a
tese da sujeição do ser humano às circunstâncias da sua condição existencial,
assim como a tese da supremacia do valor da vida, entendida como
sobrevivência no plano biológico.
Resolva também os seguintes problemas:
1. O problema central com que os sobreviventes se depararam;
Os sobreviventes são confrontados com a incontornável opção entre a
vida e a morte biológica, em que o apelo do instinto de sobrevivência se
torna mais forte do que o apelo dos tabus morais e até religiosos. Valerá
tudo para sobreviver, até a antropofagia, em clara violação dos valores
culturais?
2. O levantamento dos valores que estão em causa nesta situação;
O valor da vida humana (no seu sentido biológico) e o valor do respeito
pela dignidade humana; o valor da natureza e o valor da cultura; o valor
do imperativo categórico e respectiva vontade autónoma face ao valor dos
imperativos hipotéticos e respectivas vontades heterónomas.
3. Os prós e contras que foram tidos em conta para tomar a decisão;
Foram consideradas as consequências decorrentes de ambas a decisões
alternativas: comer ou não comer cadáveres humanos.
Se comessem aumentariam as probabilidades de sobrevivência mas
sujeitar-se-iam à censura e condenação moral e social, para sempre.
Se não comessem, aumentariam as probabilidades de morrer.
4. A correcção da atitude tomada pelos sobreviventes. Terá sido a melhor?
Depende da resposta à seguinte questão: ainda são os cadáveres seres
humanos?
A resposta só poderá ser afirmativa se considerarmos a existência como
uma relação de presenças humanas. Cada um configura e prolonga a sua
existência através do outro. Assim, a verdadeira vida seria um feixe de
cruzamentos de vidas e a morte seria o esquecimento. Assim um corpo
que era humano, continuaria-a sê-lo através da humanidade que lhe
seria atribuída por aqueles em que perduraria a presença desse humano
desaparecido. Nesse caso, os sobreviventes deixaram-se possuir pelos
seus instintos animais, em detrimento da dignidade. Para salvarem a pele,
sacrificaram o respeito pela humanidade do outro, ou seja, o respeito por
si mesmos. Instrumentalizaram e subjugaram ao imperativo biológico a
presença humana, tomando os corpos humanos como carne para alimento
dos seus próprios corpos, tal como qualquer animal esfomeado. Há que
salientar que não se trata aqui de um caso de antropofagia ritual, o que
teria um sentido completamente diferente.
Por outro lado, se considerarmos que a humanidade se extingue
absolutamente com a morte biológica e o cadáver nada mais é do que
matéria inanimada como qualquer outra, então, objectivamente, eles
tomaram a melhor opção, na medida em que se serviram de carne
morta para salvar seres humanos, o que aliás é comum a todos os que
habitualmente comem animais mortos. O facto de, momentos antes,
aqueles corpos serem a presença física de seres humanos, não implica de
modo algum que o continuem a ser depois de mortos.
Coloca-se, no entanto a questão da violação dos tabus culturais. Acontece
que os valores deles decorrentes não são absolutos mas sim históricos,
relativos e circunstanciais. Até com o tempo esses valores vão-se
transformando. Logo, perante um valor absoluto que é a defesa da vida
humana, sem a qual nada seria possível, é óbvio que a opção tomada foi
a melhor. Mesmo na perspectiva cultural, há que lembrar que os padrões
de cultura não são sagrados mas sim estratégias circunstanciais de
apropriação da natureza pelo humano, precisamente com o objectivo da
protecção e desenvolvimento da sua própria vida, tanto colectiva/social,
como pessoal.
Em conclusão: deveremos elogiar ou censurar os protagonistas desta
história se soubermos como viviam e valorizavam eles as fronteiras da
realidade do humano, independentemente dos valores éticos que a cultura
lhes impunha. Tudo depende se, para eles, a opção pelo valor da vida era
um imperativo categórico ou um imperativo de animal sobrevivência; se
agiram por vontade autónoma, ou determinados por um cego impulso vital,
que se lhes impôs contra uma desejável e consciente auto-determinação.
Trata-se de saber se agiram como animais, ou como seres humanos. Daí
que, como afirma o autor, só eles poderão responder a isso.
“Milagre nos Andes”
“Na tarde de sexta-feira 13 de Outubro de 1972, teve início, uma das histórias de
sobrevivência mais controversas e inspiradoras, quando um avião Fairchild F-227
da Força aérea Uruguaia, que levava uma equipa júnior de rugby acompanhada de
familiares e amigos para um jogo amigável no Chile, despenhou-se nas montanhas
dos Andes. Dos 45 passageiros a bordo, 29 sobreviveram à queda e apenas 16
foram resgatados com vida naquele que ficou conhecido com um dos mais célebres
desastres aéreos da História.
Refugiados numa das partes da fuselagem do avião e presos num glaciar árido a 3650
metros de altitude, sem provisões ou meios para pedir ajuda, lutando para suportar
temperaturas gélidas (de 30º C abaixo de zero), avalanches mortíferas, tiveram, ao
oitavo dia, conhecimento via rádio que ainda funcionava precariamente, de que as
buscas tinham sido canceladas. Rapidamente a comida e a bebida esgotou-se e os
sobreviventes começaram a viver um dilema. Como poderiam sair dali com vida?
Nando Parrado (um dos sobreviventes) decide que ou voltava para casa ou morreria
a tentá-lo, mas como, se não tinham forças nem meios para sair. Foi então que surgiu
a ideia de que a única maneira de arranjarem forças e alimento para saírem dali
era através da utilização da carne dos cadáveres humanos dos outros passageiros
como alimento. Mas seriam eles capazes disso? Valeria a pena sobreviver ficando
para sempre a marca na consciência que o fizeram alimentando-se de cadáveres
humanos? Conseguiriam viver consigo mesmos? A sociedade aceitá-los-ia? Deus
Perdoá-los-ia? Os entes amigos estariam dispostos a doar o seu corpo para alimento?
A verdade é que sendo difícil a decisão, a vontade de sobreviverem e a necessidade
de se alimentarem face às constantes dificuldades diárias em que viviam e a pressão
emocional, física e afectiva que sofriam, fez com que um a um, mais tarde ou mais
cedo fizessem. Utilizaram um pedaço de vidro partido para cortarem a carne e
graças a isso conseguiram sobreviver durante 72 dias até serem resgatados por
dois helicópeteros após dois dos seus colegas (Nando e Roberto Canessa) se terem
aventurado, escalando os Andes, à procura da civilização mais próxima.
Poderá ser condenável o seu acto, mas só quem passou pela situação, os dias cruéis
que viveu e a pressão que sofreu a todos os níveis, poderá responder a isso, mas num
ponto estaremos de acordo, que eles conseguiram vencer a morte.”
Adaptado das sinopses do livro Milagre nos Andes e do filme Estamos vivos.
Ficha de trabalho
Para efectuar a análise de um texto, deve sempre usar este conjunto de questões:
a) Qual o tema ou assunto central? Os valores na colisão da natureza com a
cultura
b) Em quantas partes se pode dividir?
4:
1- Narração dos factos que geram o problema central (até: “Como poderiam
sair dali com vida?”);
2- Apresentação do problema em que o valor da natureza (sobrevivência) se
confronta com o valor cultural (respeito pelos cadáveres humanos); (até:
“doar o seu corpo para alimento?”);
3- Narração dos factos que configuram a solução para o problema (até: “à
procura da civilização mais próxima”);
4- Conclusão com o enunciado do valor preponderante na solução do
problema: o valor da vida.
c) Que outro título lhe daria?
O valor da vida humana
d) Qual é a tese ou problema central?
O imperativo da sobrevivência face à relatividade dos valores
e) Quais são as palavras-chave?
“forças
e
alimento”;
“cadáveres
humanos”; “sobreviver”; “sociedade”; “Deus”; “condenável”; “dificuldades”; “pres
são”; “vencer a morte”.
f) Que argumentos usa o autor para demonstrar a sua tese?
1- O imperativo da sobrevivência;
2- A pressão física e psicológica das circunstâncias;
3- A sujeição da vontade humana à conjugação do elemento natural (instinto
de sobrevivência) e circunstancial (a insuportável situação vivida);
4- O relativismo dos valores (“Poderá ser condenável o seu acto… mas só
quem passou pela situação poderá responder a isso.”).
5- A defesa da vida como valor supremo (“mas num ponto estaremos de
acordo, que eles conseguiram vencer a morte.”).
g) O texto levanta alguma questão, directa ou indirectamente? Se sim, qual?
Sugere a questão de, em certas situações-limite, o determinismo da natureza e
o relativismo das circunstâncias deverem ou não sobreporem-se ao imperativo
ético e cultural do respeito pelo ser humano.
Num plano mais profundo, sugere ainda a questão do fundamento existencial e
antropológico dos valores éticos.
h) O autor imagina alguma objecção ou objecções à sua tese? Se sim, como lhe
(s) responde?
Imagina a auto-censura pela consciência moral de cada um dos sobreviventes,
a condenação pela sociedade e até por Deus. Responde-lhes adoptando a
tese da sujeição do ser humano às circunstâncias da sua condição existencial,
assim como a tese da supremacia do valor da vida, entendida como
sobrevivência no plano biológico.
Resolva também os seguintes problemas:
1. O problema central com que os sobreviventes se depararam;
Os sobreviventes são confrontados com a incontornável opção entre a
vida e a morte biológica, em que o apelo do instinto de sobrevivência se
torna mais forte do que o apelo dos tabus morais e até religiosos. Valerá
tudo para sobreviver, até a antropofagia, em clara violação dos valores
culturais?
2. O levantamento dos valores que estão em causa nesta situação;
O valor da vida humana (no seu sentido biológico) e o valor do respeito
pela dignidade humana; o valor da natureza e o valor da cultura; o valor
do imperativo categórico e respectiva vontade autónoma face ao valor dos
imperativos hipotéticos e respectivas vontades heterónomas.
3. Os prós e contras que foram tidos em conta para tomar a decisão;
Foram consideradas as consequências decorrentes de ambas a decisões
alternativas: comer ou não comer cadáveres humanos.
Se comessem aumentariam as probabilidades de sobrevivência mas
sujeitar-se-iam à censura e condenação moral e social, para sempre.
Se não comessem, aumentariam as probabilidades de morrer.
4. A correcção da atitude tomada pelos sobreviventes. Terá sido a melhor?
Depende da resposta à seguinte questão: ainda são os cadáveres seres
humanos?
A resposta só poderá ser afirmativa se considerarmos a existência como
uma relação de presenças humanas. Cada um configura e prolonga a sua
existência através do outro. Assim, a verdadeira vida seria um feixe de
cruzamentos de vidas e a morte seria o esquecimento. Assim um corpo
que era humano, continuaria-a sê-lo através da humanidade que lhe
seria atribuída por aqueles em que perduraria a presença desse humano
desaparecido. Nesse caso, os sobreviventes deixaram-se possuir pelos
seus instintos animais, em detrimento da dignidade. Para salvarem a pele,
sacrificaram o respeito pela humanidade do outro, ou seja, o respeito por
si mesmos. Instrumentalizaram e subjugaram ao imperativo biológico a
presença humana, tomando os corpos humanos como carne para alimento
dos seus próprios corpos, tal como qualquer animal esfomeado. Há que
salientar que não se trata aqui de um caso de antropofagia ritual, o que
teria um sentido completamente diferente.
Por outro lado, se considerarmos que a humanidade se extingue
absolutamente com a morte biológica e o cadáver nada mais é do que
matéria inanimada como qualquer outra, então, objectivamente, eles
tomaram a melhor opção, na medida em que se serviram de carne
morta para salvar seres humanos, o que aliás é comum a todos os que
habitualmente comem animais mortos. O facto de, momentos antes,
aqueles corpos serem a presença física de seres humanos, não implica de
modo algum que o continuem a ser depois de mortos.
Coloca-se, no entanto a questão da violação dos tabus culturais. Acontece
que os valores deles decorrentes não são absolutos mas sim históricos,
relativos e circunstanciais. Até com o tempo esses valores vão-se
transformando. Logo, perante um valor absoluto que é a defesa da vida
humana, sem a qual nada seria possível, é óbvio que a opção tomada foi
a melhor. Mesmo na perspectiva cultural, há que lembrar que os padrões
de cultura não são sagrados mas sim estratégias circunstanciais de
apropriação da natureza pelo humano, precisamente com o objectivo da
protecção e desenvolvimento da sua própria vida, tanto colectiva/social,
como pessoal.
Em conclusão: deveremos elogiar ou censurar os protagonistas desta
história se soubermos como viviam e valorizavam eles as fronteiras da
realidade do humano, independentemente dos valores éticos que a cultura
lhes impunha. Tudo depende se, para eles, a opção pelo valor da vida era
um imperativo categórico ou um imperativo de animal sobrevivência; se
agiram por vontade autónoma, ou determinados por um cego impulso vital,
que se lhes impôs contra uma desejável e consciente auto-determinação.
Trata-se de saber se agiram como animais, ou como seres humanos. Daí
que, como afirma o autor, só eles poderão responder a isso.
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